domingo, 17 de outubro de 2010
Ofélia
Na onda calma e negra, entre os astros e os céus,
A branca Ofélia, como um grande lírio, passa;
Flutua lentamente e dorme em longos véus...
- Longe, no bosque, o caçador chamandoo a caca...
Mais de mil anos faz que a triste Ofélia abraça,
Fantasma branco, o rio negro em que perdura.
Mais de mil anos; toda noite ela repassa
À brisa a romanca que em delírio murmura.
Beija-lhe o seio o vento e liberta em corola
Os grandes véus nas águas acalentadoras;
Sobre os seus ombros o caniço à fronte sonhadora.
Nenúfares feridos suspiram por perto;
Às vezes ela acorda; em vidoeiro ocioso
Um ninho de onde vem tremor de um vôo incerto...
- De astros dourados desce um canto miisterioso...
II
Morreste sim, menina que um rio carrega,
Ó pálida Ofélia, tão bela como a neve !
- É que algum vento montanhês da Norueega
Contou que a liberdade é rude, mas é leve;
- É que um sopro, liberta a cabeleira presa,
Em teu espírito estranhos sons fez nascer
E em teu coração logo ouviste a Natureza
No queixume da árvore e do anoitecer.
- É que a voz do mar furioso, tumulto impávido,
Rasgou teu seio de menina, humano e doce;
- E em manhã de abril, certo cavalheirro pálido,
Um belo e pobre louco, aos teus pés ajoelhou-se.
E aí o céu, o amor : - que sonho, que pobre louca !
Ante ele eras a neve, desmaiado à luz;
Visões estrangulavam-se a fala na boca,
O Infinito aterrava os teus olhos azuis !
III
- E o poeta diz que sob os raios das estrelas
Procuras toda noite as flores em delírio
E diz que viu na água, entre véus, a colhê-las
Vogar a branca Ofélia como um grande lírio.
Arthur Rimbaud
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