quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Aluga-se...



Aluga-se um lugar
onde se possa montar um bazar
para atender aos mais variados desejos!

Lá quem quiser poderá encontrar
um farol em alto-mar
e dele fazer a sua secreta morada.

Lá quem quiser poderá encontrar
pequenos  frascos  de essências silvestres
para perfumar a alma em dias de festa
e sonhos miúdos, muito úteis
para as segundas-feiras.

Haverá também caminhos cobertos de musgo
invisíveis a olho nu
e carretel de fio de teia
ideal para aprisionar segredos

Um pouco de tudo terá este bazar
e quem quiser participar
precisa apenas saber sonhar.


Roseana Murray

Para guardar a Infância





Atenção: Compro gavetas,
armários, cômodas e baús.

Preciso guardar minha infância:
os jogos da amarelinha,
os segredos que me contaram
 lá no fundo do quintal.

Preciso guardar minhas lembranças:
as viagens que não fiz,
ciranda, cirandinha
e o gosto de aventura
que havia nas manhãs.

Preciso guardar meus talismãs:
o anel que tu me deste,
o amor que tu me tinhas
e as histórias que eu vivi...


Roseana Murray




“Acima de nós, em redor de nós as palavras voam e às vezes pousam.”
 

Cecília Meireles

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Amor a primeira vista





Amor à primeira vista
é alma trocando de corpo
feito pássaro de ninho
é sede repentina
sede da água do outro...

 Roseana Murray



Respira. Serás mãe por toda a vida.
Ensine as coisas importantes. As de verdade.
A pular poças de água, a observar os bichinhos, a dar beijos de borboleta e abraços bem fortes.
Não se esqueça desses abraços e não os negue nunca. Pode ser que daqui a alguns anos, os abraços que você sinta falta, sejam aqueles que você não deu.
Diga ao seu filho o quanto você o ama, sempre que pensar nisso.
Deixe ele imaginar. Imagine com ele.
As paredes podem ser pintadas de novo, as coisas quebram e são substituídas.
Os gritos da mãe doem pra sempre.
Você pode lavar os pratos mais tarde. Enquanto você limpa, ele cresce.
Ele não precisa de tantos brinquedos. Trabalhe menos e ame mais.
E, acima de tudo, respire. Serás mãe por toda a vida. Ele será criança só uma vez."
 

Jessica Gómez Álvarez

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Nebulosas



Tem pessoas que amamos
de amor tão intenso
que com seus gestos-palavras
vão fabricando nebulosas
dentro do corpo da gente


Roseana Murray

domingo, 27 de janeiro de 2013

Receita de olhar





Nas primeiras horas da manhã
desamarre o olhar
deixe que se derrame
sobre todas as coisas belas
o mundo é sempre novo
e a terra dança e acorda
em acordes de sol
faça do seu olhar imensa caravela.

Roseana Murray

As sereias




Navegar, navegar
pelos sete mares,
atravessar
montanhas de água,
florestas de água,
para encontrar
a pedra azul
onde dormem as sereias.


Roseana Murray

A lua




A lua pinta a rua de prata
e na mata a lua parece
um biscoito de nata.

Quem será que esqueceu
a lua acesa no céu?


Roseana Murray

Beija-flor



Beija-flor pequenininho
que beija a flor com carinho
me dá um pouco de amor,
que hoje estou tão sozinho...

Beija-flor pequenininho,
é certo que não sou flor,
mas eu quero um beijinho
que hoje estou tão sozinho...


Roseana Murray




Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém (...)
Acho-me relativamente feliz,
Porque nada de exterior me acontece
Mas, em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto.


Mario Quintana



Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar.
E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro.
Rubem Alves

Para se roubar um coração





Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade, tem que ser vagarosamente, disfarçadamente, não se chega com ímpeto,
não se alcança o coração de alguém com pressa.
Tem que se aproximar com meias palavras, suavemente, apoderar-se dele aos poucos, com cuidado.
Não se pode deixar que percebam que ele será roubado, na verdade, teremos que furtá-lo, docemente.
Conquistar um coração de verdade dá trabalho,
requer paciência, é como se fosse tecer uma colcha de retalhos, aplicar uma renda em um vestido, tratar de um jardim, cuidar de uma criança.
É necessário que seja com destreza, com vontade, com encanto, carinho e sinceridade.
Para se conquistar um coração definitivamente
tem que ter garra e esperteza, mas não falo dessa esperteza que todos conhecem, falo da esperteza de sentimentos, daquela que existe guardada na alma em todos os momentos.
Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes,
que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago.
...e então, quando finalmente esse coração for conquistado, quando tivermos nos apoderado dele,
vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco.
Uma metade de alguém que será guiada por nós
e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração.
Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria.
Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que?
Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós.
Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava.
... e é assim que se rouba um coração, fácil não?
Pois é, nós só precisaremos roubar uma metade,
a outra virá na nossa mão e ficará detectado um roubo então!
E é só por isso que encontramos tantas pessoas pela vida a fora que dizem que nunca mais conseguiram amar alguém... é simples...
é porque elas não possuem mais coração, eles foram roubados, arrancados do seu peito, e somente com um grande amor ela terá um novo coração, afinal de contas, corações são para serem divididos, e com certeza esse grande amor repartirá o dele com você.


Luis Fernando Veríssimo

Amor



Amor é o mistério
maior,
o jogo mágico
que se joga
com pedras sagradas,
pedaços da alma,
enluarados cristais.

Estrada que atravessa
abismos, cavernas, oceanos,
as mais altas montanhas,
e deságua no outro,
dentro dos seus sonhos,
dentro da sua noite.


Roseana Murray

Felicidades




 Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma
da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos com a areia
dourada do tempo.

Roseana Murray

Comida de sereira



O que será que a sereia come
em seu castelo de areia?
Enquanto penteia os cabelos
a panela esquenta na cozinha:
será que a sereia come anêmonas,
ostras, cavalos-marinhos?
Ou delicados peixinhos de olhos
dourados?
Algas marinhas, lulas, sardinhas?
Polvos, mariscos, enguias,
ou será que a sereia come poesia?

Roseana Murray

sábado, 26 de janeiro de 2013




Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno.
Machado de Assis


O verdadeiro amor é um calafrio doce, um susto sem perigos.

João Guimarães Rosa

Canção do dia de sempre








Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...


Mário Quintana



A vida requer cuidado. Os amores também. Flores e espinhos são belezas que se dão juntas. Não queira uma só, elas não sabem viver sozinhas...
Quem quiser levar a rosa para sua vida, terá de saber que com elas vão inúmeros espinhos. Não se preocupe a beleza da rosa vale o incômodo dos espinhos...

Padre Fábio de Melo



"Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego."

João Guimarães Rosa



Sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na ideia, querendo e ajudando, mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois."

Guimarães Rosa



 Espalhe que o amor não é banal. E que, embora estejam distorcendo o sentido verdadeiro dele nos tempos modernos de hoje, ele existe e é o ingrediente mais importante da vida, a própria poção mágica da Felicidade.

    Mário Quintana



"A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual, debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada."

Maomé



Acho que sábado é a rosa da semana.

Clarice Lispector

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013




Açucaroterapia: É um esporte de paz esquiar com a colherinha no açucareiro.
M. M. Soriano



"Afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte."

Guimarães Rosa


Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas, e de olhos bem abertos.

Guimarães Rosa

terça-feira, 22 de janeiro de 2013



Para que o amor seja pra sempre
Ele é muito simples de ser cuidado
- Tal como o perfume, precisa ser sentido
- Tal como o néctar, precisa ser provado
- Tal como a melodia, precisa ser cantado
- Tal como o poema, precisa ser declamado
E assim sendo, eis que o amor para ser pra sempre
Só precisa ser muito amado!


Augusto Branco

domingo, 20 de janeiro de 2013




“Se um homem se encontra com o pão em ambas as mãos, ele deve trocar um pão em algumas flores do narciso, pois o pão alimenta o corpo, mas as flores alimentam a alma”

Maomé



Chorar é dar paz à alma. É dizer ao coração: "- Tem paciência, que tudo vai passar!"

Concelina Pinheiro 




Mais facilmente se julgaria um homem segundo os seus sonhos do que segundo os seus pensamentos.

Victor Hugo



"Se os pedidos de um cão fossem atendidos, ossos choveriam do céu."

Provérbio turco




"É mais fácil fazer um camelo saltar uma vala do que fazer um tolo escutar a razão."

Provérbio turco

sábado, 19 de janeiro de 2013




"Palavras amáveis abrirão uma porta de ferro."

Provérbio turco


Começo de janeiro





Se ela perguntar por mim
Diga que em todas as manhãs
Eu ansioso aguardo o seu regresso,
Que cultivo em mim uma esperança infantil
De que ela presenteei-me com o seu sorriso.

Arrumo a casa
Tudo igual quando ela partiu
Dizendo que retornaria com a nossa felicidade.

É claro que acredito nela.

Se ela perguntar por mim
Diga que às vezes bebo para esquecer,
Que às vezes embriago-me para lembrar
E fumo ao romper da madrugada
Para fugir dos sonhos que me maltratam.

Preparo uma desculpa,
Preparo o café
Meu amargo café que ela sempre reclama.

Daria a minha lucidez para ouvir aquela voz.

Se ela perguntar por mim
Diga que tenho escrito todo dia,
Que o meu amor por ela
Só tem crescido como algo bom,
E que a lembrança dela ajuda-me a irromper os dias.

Preparo uma resposta,
O e-mail chegou
Dizendo que ela só volta em janeiro.

Eu aguardo.


Mario Cardoso




O homem é mais duro que o ferro, mais forte que a pedra e mais frágil que uma rosa!

Provérbio turco





"Acho difícil que um indivíduo contemplando o céu possa dizer que não existe um criador."

Abraham Lincoln

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013





"Há certas horas, em que não precisamos de um Amor…
Não precisamos da paixão desmedida…
Não queremos beijo na boca…
E nem corpos a se encontrar na maciez de uma cama…

Há certas horas, que só queremos a mão no ombro, o abraço apertado ou mesmo o estar ali, quietinho, ao lado…
Sem nada dizer…

Há certas horas, quando sentimos que estamos pra chorar, que desejamos uma presença amiga, a nos ouvir paciente, a brincar com a gente, a nos fazer sorrir…

Alguém que ria de nossas piadas sem graça…
Que ache nossas tristezas as maiores do mundo…
Que nos teça elogios sem fim…
E que apesar de todas essas mentiras úteis, nos seja de uma sinceridade
inquestionável…

Que nos mande calar a boca ou nos evite um gesto impensado…
Alguém que nos possa dizer:

Acho que você está errado, mas estou do seu lado…
Ou alguém que apenas diga:
Sou seu amor! E estou Aqui!"


William Shakespeare

domingo, 13 de janeiro de 2013




Quando o amor acenar,
siga-o ainda que por caminhos
ásperos e íngremes.
Debulha-o até deixá-lo nu.
Transforma-o,
livrando-o de sua palha.
Tritura-o,
até torná-lo branco.
Amassa-o,
até deixá-lo macio;
e, então, submete ao fogo
para que se transforme em pão
para alimentar o corpo e o coração!


Khalil Gibran.


Muita água não mata a sede de amor, nem uma inundação pode afogá-lo.
Cântico dos Cânticos (Shir Ha Shirim)



Quando você encontrar a outra metade da sua alma, você vai entender porque todos os outros amores deixaram você ir. Quando você encontrar a pessoa que realmente merece o seu coração, você vai entender porque as coisas não funcionaram com todos os outros.
 

 Rubem Alves

Desejo







Na manhã de cores
brancas e azuis
preciso saber, trêmula,
se me queres ainda.
Nada dizes
mas me tomas, calmo,
e nosso desejo
se faz mundo.


Cristina Macedo



“Gosto das pessoas que se enamoram das estrelas… e caem de cansaço, ao voarem em busca da luz.” 

Dom Hélder Câmara

domingo, 6 de janeiro de 2013

A noite




Eu amo a noite com paixão. Amo como se ama o seu país ou sua amante, um amor instintivo, profundo, invencível. Eu a amo com todos os meus sentidos, com meus olhos que veem, com o meu nariz que respira, com os meus ouvidos que escutam o silêncio e as trevas que minha carne acaricia. As cotovias cantam ao sol, no céu azul, com ar quente, na suave brisa das manhãs de luz. A coruja voa durante a noite neste mesmo lugar, o negro que passa através do espaço escuro e encantador, embriagado pela imensidão sombria ela pia de forma vibrante e sinistra.
Durante a claridade do dia fico cansado, entediado. As manhãs são duras e barulhentas. Me levanto com dificuldades, visto-me devagar, saio todo molenga, pois cada passo, cada movimento, cada gesto, cada palavra, cada pensamento me cansa como se levantasse um peso opressor.
Porém quando o sol se põe, surge-me uma alegria confusa, uma satisfação que anima todo meu corpo. Eu desperto, fico motivado. Quando as sombras surgem sinto-me diferente, mais jovem, mais forte, mais alerta, mais feliz. Eu contemplo a penumbra ficar cada vez mais densa, a grande sombra cair suavemente do céu: ela afoga a cidade, como uma onda fugaz e incompreensível, ela esconde, apaga, destrói a cor, deforma, oculta as pessoas, casas, e os monumentos com seu toque imperceptível.
Então, eu quero gritar de prazer como as corujas, correr sobre os telhados como os gatos, explosões dilatam meu corpo, um desejo de amar incontrolável se acende nas minhas veias. Eu então saio, seguindo sem rumo às vezes, nos escuros subúrbios, ou então no bosque perto de Paris, onde eu ouço meus noturnos irmãos animais vagando e caçando meus semelhantes.
Aquilo que você ama com violência sempre acaba te matando. Mas como explicar isto que está acontecendo comigo? Ou como posso explicar aquilo que vivo? Eu não sei bem, já não sei mais, só sei que é real. Só isso! Aconteceu ontem; foi ontem? Sim, provavelmente, talvez tenha ocorrido anteontem, ou dias atrás, quem sabe num outro mês, ou alguns anos antes... Não sei. Mas deve ter sido ontem porque o sol não voltou a aparecer e o dia nunca mais raiou. Quanto dura uma noite? Qual é sua intensidade? Alguém saberá dizer? Alguém conhece?
Foi então ontem, eu saí como faço todas as noites depois do jantar. O tempo estava muito bonito, muito suave, muito quente. Segui até os Bulevares olhando, sobre a minha cabeça, um rio preto cheio de estrelas correndo no céu além dos telhados das ruas, como se as telhas das casas demarcassem as margens daquele rio torrencial de estrelas. Tudo estava claro, como um ar leve, dês da luz dos planetas até as lâmpadas a gás. Então, muitas luzes brilhavam lá em cima e na cidade que parecia um foco de luz na escuridão. As noites são brilhantes e felizes, como os grandes dias de sol.
No Bulevar os cafés eram sorvidos por pessoas noturnas, eles riam, pediam mais café e bebiam. Entrei no teatro, por alguns instantes, mas em qual teatro? Não sei. Estava tão claro que me desanimou então eu fugi com o coração ofuscado pelo choque de luz douradas das sacadas, pelo lustres de cristais cintilantes falsos e enormes, pela cortina de fogo da ribalta, pela melancolia da claridade falsa e crua. Cheguei ao Champs-Elysees, onde os cafés-concertos pareciam incêndios entre as folhas.
As castanheiras friccionavam uma luz amarela, elas pareciam pintada como árvores fosforescentes. As luzes elétricas assemelhavam-se as luas brilhantes e pálidas, eram ovos de lua caídas do céu, pérolas monstruosas, vivas, lívidas com seus bicos de gás encarnado, misteriosa e real, com gás sujo e desagradável, como guirlandas de vidros coloridos. Parei em baixo do Arco do Triunfo e olhei para a avenida, a longa e maravilhosa avenida estrelada, seguindo até Paris entre duas linhas de fogo, e vários Sois! Os astros lá em cima, estranhos astros jogados aleatoriamente na vastidão desenhando figuras adversas, formatos que nos fazem sonhar, que nos fazem pensar tanto. Entrei no Bois de Boulogne e fiquei lá demoradamente, por muito tempo. Um tremor apoderou-se de mim, uma emoção estranha, inesperada, poderosa, era alguma exaltação do meu cogitar que beirava a insanidade.
Andei um longo, longo tempo. Depois voltei.
Que horas eram quando tornei a passar sob o Arco do Triunfo? Também não sabia. A cidade dormia, em nuvens, grandes nuvens escuras que se alastravam lentamente pelo céu. Pela primeira vez eu senti que algo singular, novo, iria acontecer. Tive a impressão que estava frio, um ar mais denso cresceu, naquela noite, minha noite mais amada, meu coração ficou pesado. A avenida estava deserta agora. Apenas dois policiais caminhavam na direção dos táxis. Na rua, mal iluminada pelos lampiões a gás que pareciam apagar, seguiam uma fila de carroças de legumes indo para Les Halles.
Elas eram puxadas lentamente, carregadas com cenouras, nabos e repolhos. Os cocheiros dormiam, invisíveis. Os cavalos andavam no mesmo ritmo, seguindo a carroça da frente, em silêncio pela calçada de madeira. Diante das luzes da calçada eram iluminadas de vermelho as cenouras, de branco os nabos, de verde claro os repolhos. Carruagens que passavam uma após a outra, com mercadorias brilhantes, uma tinha um rubro flamejante como fogo, cintilante semelhante prata e a seguinte esverdeada igual à esmeralda. Segui elas, quando virei na rua Royale e voltei para os Bulevares. Ninguém, nenhum café iluminado, apenas alguns atrasados marchando tardiamente. Eu nunca tinha visto Paris tão morta como um deserto. Peguei meu relógio. Eram duas horas.
Uma força me empurrava, era uma necessidade de andar. Então eu fui para a Bastilha. Lá percebi que eu nunca tinha visto uma noite tão escura assim, porque não conseguia distinguir a Colonne de Juillet, cuja engenharia de ouro estava perdida na escuridão impenetrável. Um cobertor de nuvens, grossas como a imensidão, afogando as estrelas e parecia descer à Terra para destruí-la.
Voltei. Não havia ninguém ao meu redor. Porém, na praça Du Chateau d'Eau, um bêbado quase me bateu e depois desapareceu. Eu ouvi por algum tempo seus passos sonoros e irregulares. Eu continuei seguindo. Próximo do Faubourg Montmartre passou um táxi descendo na direção do Sena. Eu chamei. O motorista não respondeu. Uma mulher estava perambulando perto da Rue Drouot:
- Cavalheiro, escute.
Apertei meus passos para evitar a sua mão estendida. Daí então, mais nada. Na frente do Vaudeville um catador de trecos vasculhava a sarjeta. Sua pequena lanterna iluminava fracamente o chão.
- Que horas são, amigo? perguntei.
- Como vou saber, não tenho relógio!- ele falou entre os dentes.
Foi então que eu percebi, de repente, que as luminárias de gás estavam desligadas. Sei que nesta estação do ano elas são apagadas mais cedo, antes de amanhecer para economizar energia. Porém o dia ainda estava longe, muito longe de raiar.
- Vamos para Les Halles, pensei, pelo menos lá irei encontrar vida.
Segui meu caminho, mas eu não conseguia ver nada para me orientar. Caminhei lentamente, como se estivesse numa floresta densa, tateando as ruas para desvendá-las. Próximo do Credit Lyonnais um cão rosnou. Entrei na Rue de Grammont e me perdi, vaguei então sem rumo, quando reconheci a Bolsa pelas grades de ferro que a rodeavam.
Toda Paris dormia, um sono profundo, assustador. Ao longe, no entanto, vi novamente um táxi, talvez tenha sido o mesmo que passou por mim mais cedo. Tentei alcançá-lo, seguindo o som das suas rodas, pelas ruas desertas e enegrecidas, negra, negra como a morte. Eu o perdi novamente. Onde eu estava? Quem seria tão tolo para desligar o gás tão cedo! Ninguém mais vi na cidade, nenhum andarilho atrasado, nenhum vagabundo, nenhum gato miando para sua felina. Nada.
Onde estavam os policiais? Então eu disse: "Vou gritar, assim eles virão." Me lamentei. Porque ninguém respondeu. Berrei mais alto. Minha voz se propagou no espaço, sem eco, diminuindo abafada, esmagada pela noite, pela noite impenetrável.
- Socorro! Socorro! – Gritei.
Meu apelo desesperado ficou sem resposta. A que horas foi isso? Tentei olhar para meu relógio, porém eu não tinha fósforos. Eu ouvia o tique-taque da pequena caixa de engrenagens mecânica com uma bizarra e desconhecida alegria. Ele parecia viver. Eu não me sentia tão sozinho. Que mistério! Eu voltei a andar como um cego, sentindo as paredes com minha bengala, onde todo momento voltava meus olhos para o céu, esperando o dia raiar e finalmente a luz aparecer, mas o espaço estava soturnamente revolto, todo negro, a escuridão tinha tamanha profundidade que não havia mais cidade.
Que horas poderiam ser? Eu andava, parecia aquele momento uma eternidade, porque minhas pernas involuntariamente curvavam-se abaixo de mim, meu peito arfava e eu sofri terrivelmente com fome. Decidi tocar a campainha da primeira casa que eu esbarrasse. Eu puxei a maçaneta de bronze da porta, toquei o sino da campainha, ele soava estranhamente como se estivesse vibrando sozinho na casa. Eu esperei sem respostas, ninguém abriu a porta. Toquei novamente, esperei mais uma vez. Nada!
Eu sentia medo! Corri para a próxima casa, e por vinte vezes naquela calçada eu fiz soar a campainha num corredor escuro onde deveria estar dormindo algum porteiro. Mas ele não acordou, então eu foi mais longe, puxando com toda a minha insistência os sinos, chutando com meus pés, batia minha bengala nas portas, no entanto permaneceram fechadas.
De repente percebi que estava chegando ao Halles. Os mercados estavam desertos, sem murmúrio, sem um único movimento, sem uma carroça, sem uma alma sequer, na havia nenhum banca de legumes ou flores. Tudo ali estava vazio, imóvel, abandonado, morto!
Um pânico se apoderou de mim, algo terrível. O que estava acontecendo? Oh meu Deus! O que estava acontecendo?
Eu parti. Mas que hora? A hora! Quem me indicaria o tempo? Nenhum relógio, nenhuma badalada soou nos sinos dos monumentos.
- Vou abrir o vidro do meu relógio e sentir os ponteiros com os dedos. pensei. Peguei meu relógio... ele não trabalhava mais... estava parado. Nada! Nada mais, além de um frio na cidade, eu não percebia nenhum chiado, nenhum ruído se propagava pelo ar. Nada! Nada mesmo! Nenhum único som das rodas de um distante carro. Absolutamente nada!
Eu estava no cais, e uma brisa gélida saia do rio. O Sena corria ainda? Eu agora queria saber, encontrei as escadas, desci... Eu não conseguia ouvir o borbulhar do fluxo das águas nas colunas da ponte... desci mais um pouco... senti a areia... depois a lama... então a água... Mergulhei meu braço... corria... sim o rio ainda corria... Frio... Frio... Frio... quase congelado... quase seco... quase morto. Eu senti que não conseguiria ter forças para recuar... e que o rio iria desfalecer ali... Eu também, de fome, de cansaço, de frio.

Guy de Maupassant


" Às vezes choramos as ilusões com a mesma dor com que cho­ramos os mortos. "
Guy de Maupassant



" Oh, que força tem o olhar da mulher! Como nos perturba, invade, possui e domina! Como nos parece profundo, cheio de pro­messas, cheio de infinito! "
Guy de Maupassant